Entrevistamos: B-Vision

Publicado 19 de abril de 2022 | Por Techno Perfect | Entrevistas, News

O produtor conta sobre lançamentos, carreira, equipamentos e dicas para quem está começando

por Rodrigo Airaf

Para um artista, há várias formas de abordagem diante de uma carreira na dance music, e todas são válidas, pois todas contemplam subjetivamente a necessidade de cada pessoa. Mas há algo de especial quando um artista escolhe o prestígio antes de estratégias excedentes de marketing. Curiosamente, mas não surpreendentemente, em geral são músicos profissionais que respiram arte e conquistam respeito em várias esferas, são convidados a participar de projetos diferentes a todo o tempo e acumulam um currículo almejado de conquistas. É o caso do paulistano Claudio Ferreira, ou B-Vision, hoje baseado em Santa Catarina. 

Há 20 anos envolvido com a produção musical, Claudio Ferreira é daqueles nerds de estúdio. Vasculhe suas redes sociais e a predominância de conteúdo será sobre aparatos analógicos e digitais, um universo de cabos de entrada, saída, osciladores, samplers, sintetizadores, baterias eletrônicas e muito mais; a redoma própria na qual um músico se sente seguro e feliz. A “grife” que vier depois, portanto, é consequência desse relacionamento íntimo e esforçado com a música, independente de seus esforços de divulgação. 

Além de sua jornada na produção musical, B-Vision também aventura-se em um live act que não usa computadores. Sua história envolve Jazz, música clássica, guitarra e Psytrance, além de lançamentos em selos como o Sudbeat, do gigante Hernán Cattáneo, casa para a qual B-Vision acaba de retornar em grande estilo, com seu single “The Antagonist” protagonizando o VA Sudbeat Showcrates 11. Até o fechamento desta matéria, a faixa, uma incrível progressão percussivo-melódica de qualidade técnica e artística singulares, foi eleita pelo Beatport como um dos três melhores lançamentos de Progressive House de abril. 

Nas pistas, B-Vision integrou 7 vezes o lineup do finado e marcante Planeta Atlântida. Solaris, Trancendence, Tribe e Kaballah foram alguns espaços por onde passou com seus projetos psicodélicos, além de Warung Beach Club, Green Valley, El Fortin e Tribaltech, cabines importantíssimas para qualquer portfólio artístico. Em razão deste novo lançamento, conversamos com ele. Confira! 

Oi, Claudio! Como começou o seu fascínio em usar equipamentos analógicos e de que maneira você os incorpora em suas produções? 

B-Vision: Desde cedo eu gostava de bandas como Kraftwerk, Prodigy, Chemical Brothers, Death in Vegas, Front 242… Quando eu comecei a produzir, eu já tinha uma ideia do equipamento que eles usavam. Por coincidência, nessa época estava todo mundo migrando para produzir tudo por computador usando softsynths que era a grande novidade e por esse, e outros motivos, os sintetizadores analógicos estavam bastante desvalorizados e acessíveis na época. Acabei matando minha vontade de ter o equipamento que os artistas que eu admirava usavam. Nessa Época, na minha opinião, os softsynths ainda não estavam no nível de evolução que estão hoje em dia, então fazia praticamente tudo usando hardware e usava o computador para programar o midi, gravar o áudio, fazer o arranjo e mixar… Desde então já passei por várias fases, inclusive trabalhando 100% digital, até voltar às origens, porque no fim das contas, minhas idéias geralmente vem de testes e jams que faço no estúdio e os sintetizadores analógicos, samplers, pedais de guitarra e baterias eletrônicas são ideais para isso… A maior parte dos meus sons vem de algum hardware – tudo gravado e arranjado no ableton e no logic.

Você pretende levar adiante o seu live act “dawless” como um dos seus principais formatos de performance, certo? Explique o seu conceito e o seu setup.

B-Vision: Eu sempre me interessei mais por tocar minhas próprias tracks do que fazer DJ set, isso me dá muito mais satisfação, e me ajuda a testar e evoluir minhas tracks, mas tem um lado meio chato, que é tocar basicamente as mesmas músicas por algum tempo, porque não é possível produzir tracks suficientes pra mudar sempre. Eu queria encontrar um jeito mais flexível, que eu possa improvisar até certo ponto e alterar meu som em tempo real, de acordo com o que sinto no momento. Depois de muito teste, me senti bem com esse formato. Eu uso a Octatrack como o cérebro do Live, é um sampler de 8 canais, com várias ferramentas interessantes para transformar os sons.

Eu divido minhas tracks em umas 100 partes diferentes: kick, baixo, synths, vocais, percussão, vários loops e efeitos e misturo tudo lá dentro, assim eu consigo tocar as tracks basicamente como a versão original ou totalmente alterada, dependendo do momento. É uma preparação bastante trabalhosa e demorada, mas depois de pronto, com alguns ensaios, fica fácil improvisar pois tudo é feito para se encaixar, mesmo que transite por resultados totalmente inesperados. O desafio, é fazer isso de um jeito que ofereça uma certa segurança, para não perder o controle, porque a pista não quer saber da dificuldade do que está sendo feito e sim se estou proporcionando um bom momento… O som tem que sair redondo e com qualidade. Além da Octatrack, costumo levar um sintetizador, um midi controller e um Kaoss Pad.

Vinte anos de carreira sugerem um montante de altos e baixos, como geralmente é para os artistas. Chegou a receber muitos “nãos” antes desse tanto de “sim”? 

B-Vision: Acredito que NÃOS faz parte desse tipo de carreira. Ainda recebo muitos nãos… Há uns meses tive a oportunidade de mostrar uma track para o A&R de uma gravadora super conhecida que eu queria muito lançar, ele escutou na minha frente, por uns 2 segundos, e disse que a mixagem estava boa, mas a track era ruim, não tinha qualidade musical, e que provavelmente eu tinha feito ela de modo preguiçoso, pintando as notas com o mouse, por isso não tinha vida. Por uma feliz coincidência, essa mesma track vai ser lançada em breve por um selo muito maior – provavelmente o maior que já lancei, justamente porque gostaram da musicalidade e da qualidade artística e da emoção que ela passa. A penúltima demo que mandei pra Sudbeat também foi rejeitada, mas dessa vez fizeram a gentileza de explicar de um modo que fazia sentido para mim e no fim, evolui muito com esses conselhos.

Conte-nos três momentos que considera marcos em sua carreira. 

B-Vision: Os momentos mais importantes da minha carreira, na minha opinião, foram aqueles que reafirmaram, em tempos difíceis, que eu estava no caminho certo em termos de produção…

Antes da pandemia, recebi uma mensagem de um Inglês perguntando se era eu que tinha produzido a track “Possession” em 2005, ele disse que na época seguia o Carl Cox em vários festivais e ele sempre tocava uma track que veio a ser sua preferida mas nunca encontrou para comprar. Mais de uma década depois, ele teve a oportunidade de perguntar para o Carl Cox que track era aquela, não sei como ele lembrou e respondeu: B-Vision – “Possession”… O mais estranho é que essa track nunca foi lançada e nao sei como a demo foi parar na mão dele. Dei uma pesquisada e encontrei uns cinco vídeos com o Carl Cox tocando a track, num dos vídeos ele faz até coreografia.

Esse carinho veio numa época em que eu andava inseguro com minha música e pensando em desistir… Acabei ganhando um fôlego novo…

Não posso deixar de citar, também na mesma época, o lançamento do EP Lets Do It pelo selo ultracool Recycled Loops dos mestres Valentino Kanziani e Umek. Importante mencionar que nesse tempo, o B-Vision era uma parceria com o brother DJ Sandrinho.

Outro momento fundamental está sendo agora… Num espaço curto de tempo tive várias tracks que atraíram o interesse de pessoas e selos que eu nunca imaginei que teria acesso. Depois deste release no VA da Sudbeat, tem um EP com duas tracks que já está alinhado. Também acabei de receber as masters do EP que vai sair pela Bedrock – simplesmente um sonho se tornando realidade. E ainda outro lançamento forte está se alinhando mas que ainda não posso comentar…

Você tem um passado no psytrance. Como este período influenciou na carreira que tem hoje, tanto no artístico quanto nas pistas? 

B-Vision: Tive a sorte de fazer parte do nascimento da cena de música eletrônica em SC,

foi uma fase super especial. O Psytrance me deu a oportunidade de tocar em estruturas gigantes, como da Xxxperience e Orbital, rodar o Brasil e participar de festivais e conhecer pessoas que eu nem fazia ideia que existiam. Foi quando comecei a fazer Live; Como produtor, também foi um grande laboratório porque o público era aberto a experiências.

Em aspectos criativos, de oportunidades e de diversidade, como você enxerga o cenário nacional atualmente? 

B-Vision: Acho que no Brasil, a cena sempre teve uma característica de seguir as tendências mais cegamente e virar as costas para o resto. Já vi alguns ícones da música serem grosseiramente vaiados porque não era o estilo que queriam. De uns anos pra cá, na minha opinião, a música eletrônica não reina mais na preferência do público que frequenta festas, mas por outro lado, vejo uma organização mais profissional, o som está ficando mais interessante e o público está mais eclético e receptivo a ideias mais fora da curva, o que me deixa muito feliz.

Para onde pretende levar seu projeto daqui para a frente? Planeja algo específico que já possa contar para nós? 

B-Vision: Por enquanto ainda é só um sonho, mas sei que dá para atingir. Se tudo der certo, vou embarcar e fazer meu Live mundo afora, procurar o público que gosta do que eu ofereço, e não tentar me adaptar ao que acho que podem querer de mim.

Qual o melhor aprendizado que você pode compartilhar com os novos produtores que estiverem lendo esta entrevista? 

B-Vision: O que mais mudou minha vida, musicalmente, foi entender o valor de ter paciência com as produções. Acredito que oportunidades sempre aparecem, mas não com a mesma pessoa. Mostrar um trabalho que poderia ser bem melhor para um profissional que te interessa e que entende do assunto e não pode perder tempo, queima esse contato.

Também, sei que leva um bom tempo desde o dia em que começo uma track nova até o dia em que ela vai ser lançada… Às vezes anos… E isso leva a conclusão que norteia minhas decisões no estúdio. Como produtor, não é interessante tentar seguir tendências e colocar sons da moda, muito legais e que está todo mundo fazendo e a pista adora, porque quando a track estiver pronta para lançar, já vai ser datada e considerada velha… O único caminho, na minha opinião, é acreditar numa ideia, ideia boa não envelhece, e trabalhar duro para apresentar ela da melhor maneira possível. Mostrar sabendo que é uma obra de alto nível… se não gostarem, é por uma questão de momento, oportunidade ou gosto pessoal… O trabalho continua bom e continuo acreditando nele.

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